No Brasil, 7 milhões sofrem sem um diagnóstico confiável
A endometriose é uma doença que afeta aproximadamente 190 milhões de mulheres globalmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, estima-se que cerca de 7 milhões de mulheres convivam com a condição que é debilitante.
Segundo Fabiane Berta, ginecologista e pesquisadora referência no Brasil, a endometriose ocorre quando células semelhantes às do endométrio crescem fora do útero, afetando órgãos como ovários, trompas de Falópio e o tecido que envolve o útero. “Os principais sintomas da endometriose incluem dor pélvica crônica, cólicas menstruais intensas, dor nas relações sexuais, além de dificuldade para engravidar, já que a infertilidade está presente em cerca de 40% das mulheres com endometriose”, explica.
Ainda de acordo com a especialista, a endometriose não é apenas uma questão de dor, mas uma condição que pode comprometer a qualidade de vida das mulheres e, se não tratada adequadamente, pode levar a complicações graves, com comprometimento de órgãos importantes. “O diagnóstico da endometriose é desafiador e, muitas vezes, tardio. O exame ginecológico clínico é o primeiro passo, podendo ser complementado por exames laboratoriais e de imagem. Contudo, a análise definitiva depende da realização de biópsia”, alerta.
Extremamente promissor e aguardado, o estudo GLADE, conduzido pelo Instituto de Pesquisa Science Valley e pelo professor André Malavasi, promete avanços no tratamento da endometriose com o pellet de Gestrinona. O dispositivo, implantado no tecido subcutâneo, libera hormônios de forma controlada, ajudando a reduzir a inflamação e a aliviar as dores intensas. “Esse estudo foi apresentado no ano passado no Mundial da Ginecologia Endócrina e também no Congresso da Sociedade Brasileira de Endometriose. O tratamento é de longa duração, oferecendo mais conforto e eficácia no controle dos sintomas e com a aprovação da Anvisa em novembro de 2024, ele surge como uma alternativa inovadora para quem sofre de endometriose”, explica Fabiane Berta, que também participou da pesquisa.
Mulheres que apresentam sintomas devem buscar atendimento nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). “Quando a mulher sente uma dor incapacitante e repetitiva no período menstrual, quando o intestino parece gritar durante o ciclo, quando a relação sexual se torna dolorosa e desconfortável, quando engravidar parece um desafio impossível, esses sinais não são normais. Significam que o corpo está tentando dizer algo e quase sempre, ele está dizendo: procure ajuda. A endometriose pode estar ali, silenciosa, aguda, ocupando espaço e destruindo sonhos sem ser notada”, alerta Fabiane Berta.
Ela destaca que muitas pacientes são desacreditadas por anos, sendo tratadas como “exageradas” ou “sensíveis demais”. Enquanto isso, a doença avança, inflama tecidos, forma aderências, compromete o funcionamento de órgãos e, em casos mais severos, exige cirurgias complexas para tentar recuperar o mínimo de normalidade.
Estudos recentes da Universidade de Oxford, publicados na Nature Genetics, identificaram mais de 40 variantes genéticas associadas ao risco de desenvolver endometriose. O avanço da ciência é um alívio, mas também uma denúncia: o tempo perdido sem diagnóstico custou muito mais do que se imagina. O mesmo estudo reforça que a endometriose tem marcadores inflamatórios e imunológicos que justificam a necessidade de investigação precoce e tratamento individualizado.
“A tecnologia tem acelerado o diagnóstico com a ajuda da inteligência artificial, que identifica padrões em exames de imagem com maior precisão. Mas nenhum recurso tecnológico substitui a escuta ativa e o acolhimento. E é aí que mora o primeiro grande fracasso: a ausência de profissionais preparados para reconhecer a dor da paciente”, alerta Berta.
Segundo a especialista, a legislação brasileira avançou com a Lei 1069/23, que dispensa o período de carência para acesso a benefícios previdenciários em casos de incapacidade por endometriose. “É uma conquista, mas não resolve a raiz do problema. É preciso garantir acesso ao tratamento adequado, fomentar pesquisas públicas, formar médicos sensíveis ao tema e, principalmente, eliminar o estigma de que sentir dor faz parte da vida feminina. É revoltante que, em pleno 2025, ainda tenhamos que explicar que dor não é normal e que a mulher não nasceu para sofrer. A endometriose é uma doença grave, com impacto real na saúde física, emocional e reprodutiva. O silêncio mata sonhos, mas a informação salva vidas”, finaliza.
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